A pouco tempo, escrevi um texto falando a respeito da tentativa de tungagem dos royalties, promovida pelos demais estados da federação, argumentei que tal tentativa era uma afronta ao estado do Rio de Janeiro e uma grotesca violação do pacto federativo brasileiro. No presente texto pretendo me aprofundar um pouco mais na questão do pacto federativo e do quanto o mesmo vem sendo violado desde o início desse processo.
Oficialmente o Brasil é uma república federativa, ou seja, é uma nação formada a partir da união de entes independentes (os estados) que optam por agir em conjunto como uma forma de obter mais poder e vantagens do que teriam se fossem autônomos. O pacto federativo brasileiro tem clara inspiração em dois modelos distintos: os EUA (inspiração direta para o regime republicano brasileiro) e a Suíça (primeira nação ocidental a adotar o federalismo como forma de organização política).
Basicamente participar da federação implica em um jogo de “perde e ganha”, no qual os estados abrem mão de boa parte de sua autonomia e, em troca, recebem apoio para lidar com questões que estão além de seus recursos. A exploração de petróleo é um bom exemplo de como funciona o pacto federativo. Embora seja lucrativa, a industria petrolífera também é dispendiosa e, sem contar com o apoio do governo federal, os estados provavelmente teriam que entregar esse setor da economia quase que inteiramente nas mãos da iniciativa privada ou manter seu potencial econômico subutilizado, além de não ter como arcar com os custos ambientais/sociais que a atividade trás em si (aumento populacional descontrolado, desmatamento, vazamentos, poluição, etc.). Os royalties e participações especiais tratam disso, são compensações pagas aos estados produtores para que estes possam equacionar os prejuízos provocados pela exploração das reservas petrolíferas em seus territórios e não um meio de enriquecimento ilícito como muitos governadores e parlamentares dos estados não-produtores vem argumentando na mídia nas últimas semanas.
Tomemos como exemplo a cidade de Macaé, base de operações principal da Petrobras na Baía de Campos. Nos últimos vinte anos a cidade passou por um processo de crescimento urbano muito mais acelerado do que sua capacidade de se adaptar a sua nova condição de cidade de médio porte. A atual população da cidade gera demandas muito maiores do que sua arrecadação (descontado o dinheiro advindo do petróleo) é capaz de suportar criando, então, uma situação na qual a riqueza gera apenas ônus e nenhum tipo bônus para o local de onde a mesma é extraída. De acordo com a lógica da nova repartição dos lucros advindos da exploração petrolífera, cidades e estados que não tem qualquer relação com a produção e que, portanto, não sofrem com suas consequências mais danosas, passam a ter participações que, em alguns casos, são maiores do que as de cidades que se viram devastadas em função do “ouro negro”. Não há, contudo, inocentes ou vítimas (além da população) nessa história, é verdade, também, que o as receitas advindas do petróleo não tem sido utilizadas para mitigar os impactos da atividade onde ela se estabelece, mas sim para enriquecer os coronéis e suas oligarquias ou como forma de financiar projetos pessoais de poder.
O principal com relação aos royalties, portanto, pode ser resumido a uma simples questão: é justo que aqueles que não sofrem os impactos da exploração petrolífera, usufruam de sua riqueza? O argumento principal que sustenta a petição dos que propõe a redistribuição é que, como o petróleo está e águas territoriais e essas pertencem a união, seria justo que todos os estados da federação tivessem uma parcela mais igual dos lucros advindos de sua exploração sendo essa, também, a principal inconsistência de seus argumentos pois, a questão nunca foi de quem é o petróleo, mas sim quem se prejudica com sua exploração. Ao negar aos estados produtores a justa parcela de compensação pelos prejuízos provocados na produção da riqueza do petróleo, a federação não está sendo somente gananciosa e imoral, está violando os princípios fundamentais sobre os quais ela se assenta cabendo-nos então fazer uma pergunta importante porém incomoda e que vem sendo negligenciada até então: Se a união nos nega justiça e se apressa em nos espoliar, então por que devemos nos manter nela?
Fábio Campelo Teixeira é historiador.