domingo, 18 de novembro de 2012

A federação contra-ataca.

Por: Fábio Campelo Teixeira.


A pouco tempo, escrevi um texto falando a respeito da tentativa de tungagem dos royalties, promovida pelos demais estados da federação, argumentei que tal tentativa era uma afronta ao estado do Rio de Janeiro e uma grotesca violação do pacto federativo brasileiro. No presente texto pretendo me aprofundar um pouco mais na questão do pacto federativo e do quanto o mesmo vem sendo violado desde o início desse processo.
Oficialmente o Brasil é uma república federativa, ou seja, é uma nação formada a partir da união de entes independentes (os estados) que optam por agir em conjunto como uma forma de obter mais poder e vantagens do que teriam se fossem autônomos. O pacto federativo brasileiro tem clara inspiração em dois modelos distintos: os EUA (inspiração direta para o regime republicano brasileiro) e a Suíça (primeira nação ocidental a adotar o federalismo como forma de organização política).
Basicamente participar da federação implica em um jogo de “perde e ganha”, no qual os estados abrem mão de boa parte de sua autonomia e, em troca, recebem apoio para lidar com questões que estão além de seus recursos. A exploração de petróleo é um bom exemplo de como funciona o pacto federativo. Embora seja lucrativa, a industria petrolífera também é dispendiosa e, sem contar com o apoio do governo federal, os estados provavelmente teriam que entregar esse setor da economia quase que inteiramente nas mãos da iniciativa privada ou manter seu potencial econômico subutilizado, além de não ter como arcar com os custos ambientais/sociais que a atividade trás em si (aumento populacional descontrolado, desmatamento, vazamentos, poluição, etc.). Os royalties e participações especiais tratam disso, são compensações pagas aos estados produtores para que estes possam equacionar os prejuízos provocados pela exploração das reservas petrolíferas em seus territórios e não um meio de enriquecimento ilícito como muitos governadores e parlamentares dos estados não-produtores vem argumentando na mídia nas últimas semanas.
Tomemos como exemplo a cidade de Macaé, base de operações principal da Petrobras na Baía de Campos. Nos últimos vinte anos a cidade passou por um processo de crescimento urbano muito mais acelerado do que sua capacidade de se adaptar a sua nova condição de cidade de médio porte. A atual população da cidade gera demandas muito maiores do que sua arrecadação (descontado o dinheiro advindo do petróleo) é capaz de suportar criando, então, uma situação na qual a riqueza gera apenas ônus e nenhum tipo bônus para o local de onde a mesma é extraída. De acordo com a lógica da nova repartição dos lucros advindos da exploração petrolífera, cidades e estados que não tem qualquer relação com a produção e que, portanto, não sofrem com suas consequências mais danosas, passam a ter participações que, em alguns casos, são maiores do que as de cidades que se viram devastadas em função do “ouro negro”. Não há, contudo, inocentes ou vítimas (além da população) nessa história, é verdade, também, que o as receitas advindas do petróleo não tem sido utilizadas para mitigar  os impactos da atividade onde ela se estabelece, mas sim para enriquecer os coronéis e suas oligarquias ou como forma de financiar projetos pessoais de poder.
O principal com relação aos royalties, portanto, pode ser resumido a uma simples questão: é justo que aqueles  que não sofrem os impactos da exploração petrolífera, usufruam de sua riqueza? O argumento principal que sustenta a petição dos que propõe a redistribuição é que, como o petróleo está e águas territoriais e essas pertencem a união, seria justo que todos os estados da federação tivessem uma parcela mais igual dos lucros advindos de sua exploração sendo essa, também, a principal inconsistência de seus argumentos pois, a questão nunca foi de quem é o petróleo, mas sim quem se prejudica com sua exploração. Ao negar aos estados produtores a justa parcela de compensação pelos prejuízos provocados na produção da riqueza do petróleo, a federação não está sendo somente gananciosa e imoral, está violando os princípios fundamentais sobre os quais ela se assenta cabendo-nos então fazer uma pergunta importante porém incomoda e que vem sendo negligenciada até então: Se a união nos nega justiça e se apressa em nos espoliar, então por que devemos nos manter nela?

Fábio Campelo Teixeira é historiador.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Uma prece pelo Estado laico.


Por: Fábio Campelo Teixeira.

Recentemente, o ministério público federal entrou com ação solicitando a retirada da expressão “deus seja louvado” das notas de real, a alegação é que a inscrição fere o princípio constitucional da laicidade do Estado brasileiro. A ação, assinada pelo promotor Jefferson Aparecido Dias, defende a retirada da frase alegando que "A manutenção da expressão 'Deus seja louvado' [...] configura uma predileção pelas religiões adoradoras de Deus como divindade suprema, fato que, sem dúvida, impede a coexistência em condições igualitárias de todas as religiões cultuadas em solo brasileiro". Em uma primeira leitura é impossível não pensar que, com tantas outras violações graves dos direitos fundamentais do cidadão, por que o MPF foi se preocupar logo com o que está escrito no dinheiro porém, quando enxergamos um pouco além do óbvio, percebemos o quão séria é a questão.
Durante a maior parte de sua existência o Estado brasileiro se constituiu enquanto uma teocracia católica, tal e qual o Estado português que lhe serviu de modelo primário. A inserção da igreja no aparato estatal durante os períodos colonial e imperial foi tão longe que o Estado se furtava de emitir certidões de nascimento e casamento, sendo as mesmas substituídas pelos certificados de batismo e pelo casamento religioso católico. Em 1889 os republicanos, em seu afã por destruir todos os resquícios da antiga ordem imperial, instituíram no texto constitucional de 1891 um dos únicos artigos que permaneceu inalterado em todas as constituições brasileiras desde então: a separação total entre Estado e Religião.
Embora instituída no âmbito legal e fiscal, a laicidade do estado nunca foi plenamente adotada no Brasil do ponto de vista simbólico/cultural, sendo essa afirmação facilmente perceptível através de uma rápida análise. Ainda há uma percepção geral (amplamente divulgada nas diferentes mídias) que o único ritual de matrimônio válido é o ritual cristão, dos 12 feriados nacionais presentes no calendário oficial brasileiro, apenas 4 não tem inspiração católica/cristã e é mais comum encontrarmos bíblias do que constituições em repartições públicas.
Existente apenas em âmbito legal, a laicidade somente é evocada quando utilizada como argumento para barrar manifestações culturais pertencentes a dogmas religiosos alternativos ao paradigma cristão, geralmente utilizando-se como argumento complementar que tais manifestações provocam “desconforto” e “mal-estar” para aqueles que não partilham dessas crenças não-cristãs. E quanto ao desconforto que os cristãos provocam nas demais religiões ao impor, com beneplácito estatal, suas crenças e visões de mundo? Legalistas e alinhadas aos grupos dominantes desde suas origens, as religiões cristãs (tanto o catolicismo quanto o protestantismo) tem uma longa tradição na utilização de práticas hegemonistas nos locais onde se estabelecem, apresentando pouca tolerância com os demais credos. No estado brasileiro, tal hegemonia se manifesta de forma não evidente porém bastante contundente ao secundarizar e menosprezar os dogmas não cristãos, principalmente em se tratando das religiões afrodescendentes pois, nesse caso, além das práticas hegemonistas, soma-se ainda o racismo inerente a sociedade brasileira.
Outro dia, ao receber uma nota de R$ 2,00 de troco, percebi que, logo acima da expressão “deus seja louvado” estava carimbada a frase “punição de deus a macumba africana” acompanhada da indicação de um versículo bíblico. Católicos logo se apressarão a culpar os evangélicos e os evangélicos aos católicos por tamanha intolerância religiosa mas nenhum dos dois, em seu íntimo, discordará do teor da mensagem. Ao longo do período colonial nas Américas (séculos XVI a XIX), protestantes e católicos se empenharam ativamente no tráfico e comercialização de africanos escravizados, justificando-o como sendo a “ordem natural do mundo, determinada por deus”, enquanto espaços de união e resistência ao sistema escravista, as religiões afrodescendentes logo foram tachadas como satânicas por se voltarem contra essa ordenação divina do mundo mas, na verdade, o que havia de satânico nelas (pelo menos para as classes dominantes) era o seu potencial de mobilização e a possibilidade de profundas transformações sociais que elas traziam em si. Nos dias atuais, as religiões afrodescendentes são poderosos espaços de questionamento ao status quo social e, por isso mesmo, alvos preferenciais dos credos que se alinham e se alimentam dessa situação.
Tratar de religião sempre é um assunto espinhoso pois a religião não é uma questão de lógica e sim de fé e a fé exige daqueles que a seguem um poderosa negação de descrença e a aceitação cega de princípios arbitrários que jamais são postos em discussão. Não há espaço para dúvidas na fé, apenas certezas e, as certezas, são um solo árido para o desenvolvimento do debate. Entretanto, quando a fé se imiscui em assuntos de Estado, a questão torna-se ainda mais grave pois as leis da fé (cristã, afrodescendente, hindu, budista, judaica, etc.) são válidas apenas para aqueles que aceitam o dogma em sua totalidade mas as leis do Estado são para todos, independente de sua filiação religiosa, posição social ou origem étnica. Ao permitirmos a preponderância de um discurso religioso dentro do Estado, estamos automaticamente conferindo a indivíduos fanáticos (todas as religiões possuem sua dose de fanatismo), os instrumentos legais para oficializar a repressão e a opressão sobre setores inteiros da sociedade.
Embora aparentemente inócua, a discussão sobre a retirada ou não da frase “deus seja louvado” das cédulas de real passa por todas essas questões e, embora possa parecer uma questão menor, é a partir de pequenas coisas que se constroem os grandes movimentos sociais/históricos. Nesse caso específico, o que começou com a frase impressa no dinheiro, evoluiu para as cédulas carimbadas com mensagens preconceituosas e, pouco a pouco vai se transformando em palavras de ordem como “bíblia sim, constituição não” que já apareceram pichadas em muros de algumas capitais.
A religião é um aspecto importante em qualquer sociedade, sendo que ela pode ser uma fonte de conforto e um poderoso elemento de promoção da fraternidade entre as pessoas porém, na mesma medida, ela pode se converter em um instrumento de intolerância e uma justificativa cômoda para os mais diferentes tipos de atrocidades, como a história já tem comprovado através do tempo. A laicidade do Estado e a sobreposição da lei sobre os preceitos religiosos são os únicos verdeiros garantidores da igualdade e da justiça social pois, onde impera a religião, sempre haverá, no mínimo, a distinção entre o fiel e o herege inviabilizando qualquer tentativa de construção de pluralismo social ou multiculturalismo.

Fábio Campelo Teixeira é historiador.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Valores? Que valores? De quem?

Por: Fabio Campelo Teixeira.


“As famílias hoje estão desestruturadas!”, “Os jovens não tem mais respeito por ninguém!”, “Todos são desonestos hoje em dia”. Essas e muitas outras frases com mesmo teor que ouvimos com cada vez mais frequência, tanto na grande mídia quanto em conversas particulares demonstram uma percepção de certas camadas da sociedade de que, atualmente, vivemos uma grave crise nos valores que orientam e estruturam a nossa sociedade. Mediante tal quadro, creio que é pertinente fazermos duas perguntas fundamentais e, no entanto, negligenciadas nessa discussão: que valores são esses que estão em crise e de quem são esses valores?
O conjunto de valores que o senso comum firmou como sendo o padrão nas sociedades ocidentais contemporâneas começou a surgir no século XV com a falência da sociedade feudal europeia e o início da ascensão da  burguesia enquanto classe social predominante nas civilizações ocidentais. Não podendo se apoiar na hereditariedade como elemento de distinção social (como a nobreza) nem no monopólio sobre a produção cultural/intelectual (como o clero), os burgueses se apoiaram em seu incomensurável poderio econômico e no vasto potencial para amplia-lo, começando a construir um sistema de valores baseado no princípio da acumulação de capitais. Assim sendo, a ética burguesa baseia-se, fundamentalmente, em um cruento, brutal e eficiente princípio: você vale o tanto que você possui.
A empresa colonial foi fundamental tanto para o fortalecimento burguês quanto para a proliferação de sua visão de mundo e modo de vida. As colônias no “novo mundo”, principalmente os assentamentos protestantes na América do Norte, serviram como extensos laboratórios sociais nos quais os burgueses puderam refinar e aprimorar o seu dogma até que, no século XVIII, ele já estava maduro e a burguesia forte o suficiente para se impor a nobreza absolutista, tomando de assalto o poder no ocidente através de uma série de revoluções bem sucedidas. As revoluções burguesas, mais do que consolidar o poder político/econômico da burguesia, serviram para validar e fortalecer seu sistema de valores e visões de mundo que, pouco a pouco tornaram-se hegemônicas dentro das sociedades ocidentais que passaram, cada vez mais, a propagar a acumulação material como virtualmente única meta social válida. Hoje, mais do que nunca, nossa posição social é mensurada por duas medidas chave: capacidade de consumo e potencial de acumulação de capital, sendo essa medida de tal maneira poderosa que, até mesmo o acesso a justiça e aos serviços públicos básicos se atrelam a ela (é preciso ter dinheiro para fazer valer seus direitos).
Temos, então, o cerne da presente questão: O sistema de valores burgueses, baseado exclusivamente na acumulação material, trás, em si, as sementes de sua própria implosão pois, sendo ela, a acumulação de capitais, o único objetivo válido, quaisquer meios tornam-se justificáveis para se obtê-la.
Em um mundo dominado pelo binômio riqueza/consumo, os dispositivos legais flexibilizam-se em nome dos imperativos econômicos e as convenções sociais tornam-se ambíguas e contraditórias quando o que se está em jogo são os interesses monetários. Em outras palavras, a sociedade que se horroriza com a delinquência juvenil dos filhos das classes abastadas é composta por elementos que não tem pruridos em se utilizar de uma posição de poder para obter vantagens pessoais e aqueles que criticam as classes populares por se esforçarem para ostentar uma aparência de uma prosperidade que não tem, são os mesmos que constroem civilizações devotadas a um único deus: o consumo.
A lógica da acumulação/consumo está presente em todos os aspectos da vida social: quantos de nós não compramos produtos de qualidade notadamente inferior simplesmente por serem “de marca”? Quantas vezes cedemos as ganas consumistas de nossos filhos, vencidos pelo o argumento de que apenas ele “não tem tal produto”? Quantos de nós estimulamos nossos filhos a seguir carreiras para as quais possuem vocação mesmo estas não sendo bem remuneradas? Quantas vezes medimos realização profissional por outro índice que não o extrato da conta bancária ou  o valor líquido do contracheque? Quantas vezes nos indignamos com a corrupção mas oferecemos a “cervejinha” para nos livrarmos de embaraços legais?
Não sou hipócrita. O dinheiro é um elemento importante em nossas vidas e uma boa remuneração é fundamental para podermos ter vidas confortáveis e realizadoras porém, tornar a acumulação fiduciária a mola mestra que conduz nossas vidas não é apenas um equívoco, é doentio.

Fabio Campelo  Teixeira é historiador.

domingo, 11 de novembro de 2012

O Chorão

Por: Fábio Campelo.


Desde que perdeu a condição de distrito federal a cidade e o estado do Rio de Janeiro vem sofrendo agressões esporádicas por parte da federação. Em 1975, uma canetada do general presidente Geisel acabou com a autonomia da cidade integrando-a ao estado do Rio de Janeiro (medida nociva para ambos); em 1988, a nova constituição previu que o ICMS dos derivados de petróleo, contrariando a regra aplicada para todos os demais produtos comercializados no Brasil, deveria ser recolhido pelo estado de destino e não de origem do produto. Para compensar a perda de arrecadação desses produtos, foram criados os royalties e as participações especiais sobre a industria petrolífera e, agora, o congresso julga por bem retirar essas compensações do estado. Situação complexa que exige uma atuação decisiva das lideranças fluminenses e, principalmente, daquele cuja função, entre outras coisas, é articular as diferentes forças políticas do estado em defesa dos interesses da população.
Sérgio Cabral possui um conjunto de características que ajudaram a forjar sua trajetória política desde o início: sensibilidade para identificar grupos sociais representativos porém pouco representados politicamente (os idosos, por exemplo), filiação ideológica amorfa, representada em um discurso vazio repleto de grandes metas genéricas, facilmente adaptável aos gostos do público-alvo que deseja conquistar (“temos que valorizar a 3ª idade”, “temos que combater a corrupção do legislativo”, etc.) e um profundo oportunismo político que o permite fazer e desfazer suas alianças de acordo com a direção e a força dos ventos políticos. Tais características permitiram que ele galgasse os degraus da vida pública e assumisse a chefia do executivo fluminense em 2006, posição confirmada com sua reeleição em 2010.
Uma vez no Palácio Guanabara, Cabral usa suas ferramentas políticas para vencer a disputa contra seus antigos aliados, o casal Garotinho, assumindo plenamente a chefia da quadrilha pmdebista no estado e reforçando seus laços com o governo federal. A partir da metade final de seu primeiro mandato, o governador assumiu pessoalmente o controle sobre a política estadual criando uma poderosa rede de clientelismo a qual integraram-se a esmagadora maioria dos prefeitos e oligarquias regionais do estado. Entretanto, quando chegou a hora de demonstrar sua verdadeira liderança política, Cabral apenas chorou.
A proposta de alteração da partilha dos royalties de autoria do deputado Ibsen Pinheiro representava um grave golpe as finanças do Rio de Janeiro que, como principal produtor, também seria o principal espoliado. Ao invés de articular as forças políticas do estado no sentido de impedir que a proposta fosse adiante, Cabral limitou-se a aparecer em público com os olhos marejados e o rosto úmido com suas lágrimas hipócritas e ridículas, implorando (como um pedinte e não como o governador do segundo estado mais poderoso da união) que o executivo federal vetasse a proposta. O que estava por trás do choro de Cabral não era o lamento pelos danos que a queda na arrecadação provocaria a população do Rio de Janeiro mas sim ao abalo sísmico que ela provocaria ao seu projeto pessoal de poder. Da mesma forma, o veto de Lula foi motivado não pelo sofrimento da população mas pela necessidade de garantir apoio a sua candidata ao planalto no Rio de Janeiro.
Seguro de seu papel como grande eleitor no Rio de Janeiro, Cabral pode, novamente, negligenciar a questão dos royalties e se dedicar a sua verdadeira prioridade, ou seja, reforçar sua rede política local usando os grandes eventos internacionais dos próximos anos (copa em 2014 e olimpíadas em 2016) como instrumento para capitalizar sua rede clientelista. Ambições pequenas de uma mente estreita. O fortalecimento de novos grupos na política local do Rio de Janeiro conduziu Cabral a disputas internas (principalmente contra Jorge Picciani, seu principal capo), enfraquecendo o poder seu grupo político e inviabilizando a formação de uma frente política ampla em defesa dos interesses do Rio e do Espirito Santo no congresso.
A cobiça dos estados não produtores pelo el dorado petrolífero fez com que a lei de partilha voltasse, e com mais força, para a agenda do legislativo e, em função da falta de uma coalizão pró Rio no congresso, acabou sendo aprovada, provocando perdas ainda mais graves as finanças do estado. Novamente tendo que lidar com o problema, o governador não atentou para questão dos rompimentos de contrato implícitas no texto, para inconstitucionalidade da proposta ou mesmo para os grotescos erros presentes na redação da lei, limitou-se a ir a público novamente e, com os olhos mareados e os lábios trêmulos afirmar que, sem royalties, sem olimpíadas. Patético.
A ameaça do chorão é ridícula e inconsistente uma vez que, em caso de risco real a realização dos eventos, o governo federal inundará as obras consideradas fundamentais com verbas públicas (desde a escolha do Brasil para sediar os eventos, o governo federal já vem contingenciando verbas para essa eventualidade), porém diz muito sobre a forma como Cabral enxerga a governança da coisa pública e sobre as suas prioridades enquanto chefe do executivo. Em momento algum o chorão mencionou o quanto a redução das verbas vai agravar ainda mais a situação caótica em que se encontram os transportes, a saúde e a educação no estado nem que isso poria em risco um dos poucos êxitos de seu governo: a segurança pública (como manter o exército de policiais ou as UPP's sem as verbas do petróleo?). Em sua visão de mundo, o governador apenas enxerga os grandes eventos internacionais e no quanto eles são fundamentais para a continuidade de seu sistema clientelista rasteiro e imoral. No momento em que precisou ser um líder, Cabral apenas mostrou que era mais um coronel com influencia nula para além de seu próprio curral eleitoral e, mesmo que se venda como o novo e o moderno, ele não representa nada mais do que a modernidade do atraso.

Fábio Campelo é Historiador

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

As Cotas e a Hipocrisia do Mérito.

Dando sequência ao debate sobre cotas, seguem algumas brilhantes reflexões de meu amigo Antônio.

Por: Antônio Carlos Dutra Ramos.

Tenha pais que possam pagar pra você escolas de alto padrão desde a creche até o ensino médio e depois passe no vestibular de medicina da UFRJ estufando o peito e dizendo que foi mérito seu, visão estreita ou auto-engano escolha sua. Mas a verdade é que a universidade pública é sustentada por todos, através daqueles m
esmo impostos que a elite se recente tão profundamente de pagar, e sendo assim num sistema de tributação desequilibrado onde sobre os gêneros de necessidade recaem tributos de até trinta porcento, temos uma pirâmide tributária invertida onde os mais pobres recolhem em tributos indiretos mais de trinta porcento de sua renda, sem possuir bens, sem auferir lucros de capital, rendas de terras ou aluguéis ,os mais pobres pagam proporcionalmente mais tributos, bem se não ficou claro eu simplifico, a sua empregada e o seu motorista pagam a sua faculdade de medicina. E você quer que o filho deles se recolha a sua insignificância e assuma um papel subalterno ,talvez jardineiro, pois tem pouca instrução. Esse discurso de "pretensa" igualdade de condições, meritocrácia do exame seletivo é tão reacionário e antidemocrático que me envergonha de ser brasileiro, e sinceramente se você acredita mesmo nele demonstra no mínimo ingenuidade e se percebe a falsidade que ele oculta precisa lapidar seu caráter ,coisa que nem o Santo Inácio faz por você. Observar as notas dos aprovados para medicina na UERJ que é pioneira no sistema de cotas, já o adota a mais de dez anos, e nenhum curso teve perda de nível por receber alunos mais "fracos", revela alguns dados interessantes, primeiro um abismo entre as notas máximas e mínimas, revelando o abismo entre a escola de quem pode e a de quem não pode, mas como já temos uma serie longa podemos observar as notas dos dois grupos se aproximando, a simples possibilidade do sonho faz milagres, uma vez que ainda não saneamos a educação pública, governos tentam dizer que essa melhora reflete a melhora do ensino público, eu sou professor militando no magistério público fundamental e médio digo é mentira, essa melhora nas notas é fruto do sonho que ousamos sonhar, do livro de biologia partilhado por cinco alunos, nas longas caminhadas após a última aula do noturno, pois nessa hora não tem ônibus e kombi não leva gratuídade, tudo bem pra eles caminhar, eles sonham em se tornarem médicos, advogados, engenheiros, e sonham um sonho possível. Sem mérito? Não, pois seus conhecimentos serão testados contra o de outros "sonhadores caminhantes " . O povo agora sonha, as elites arcaicas tremem, amanhã eles irão despertar e como médicos advogados e engenheiros. Com mérito.

Antônio Carlos Dutra Ramos é 
 Professor da rede publica, Historiador e acadêmico de Direito

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

O Valor do Mérito

Por: Fábio Campelo Teixeira.

Recentemente a revista Veja publicou reportagem criticando a instituição de cotas para as universidades federais, favorecendo estudantes egressos da rede pública de ensino. O principal argumento defendido pela reportagem é que, ao aceitar estudantes cotistas na universidade, o mérito deixaria de ser o elemento preponderante para se definir o acesso ao nível superior uma vez que as cotas permitiriam que estudantes não qualificados frequentassem os cursos universitários. Esse argumento é, na melhor das hipóteses, de um elitismo excludente inadmissível em uma sociedade que se pretende justa e plural.
Imaginemos, por um breve e mágico momento, que a qualidade do ensino das escolas públicas atinja o nível de excelência que consideramos ideal e que não exista mais diferença perceptível para o ensino oferecido pelas melhores escolas privadas, isso não seria suficiente para acabar com a vantagem injusta que os filhos da elite possuem na competição pelas vagas oferecidas nas melhores instituições públicas pois a riqueza permite que estes possam se dedicar exclusivamente aos estudos além de lhes conferir acesso a um arcabouço cultural que está além do alcance dos egressos das classes populares. Dessa forma ao afirmar que os alunos cotistas não tem mérito, assume-se que o mérito é uma questão exclusivamente de poder aquisitivo (quanto mais dinheiro, maior o mérito). Além disso, uma rápida análise dos dados disponibilizados pelas universidades sobre a vida acadêmica dos alunos cotistas faz com que qualquer argumento que se baseie na falta de mérito dos cotistas caia por terra completamente pois, de acordo com o acompanhamento feito, os alunos cotistas apresentam rendimento igual ou superior ao dos alunos não-cotistas, além de terem índices de evasão menores.
O discurso questionando o mérito dos alunos cotistas está firmemente ancorado em três aspectos distintos porém complementares entre si: o receio das elites historicamente favorecidas de perderem seus privilégios, a crença que as camadas populares devem sempre ocupar uma posição de subalternidade e tradição conservadora do pensamento político brasileiro que, em última análise, faz com que os extratos explorados da população se irmanem com aqueles que os exploram. Apesar de todo o discurso político que insistentemente repete que a educação é prioridade, as políticas públicas de educação voltada para as classes populares primam pela adoção de práticas e normas que reforçam os aspecto reprodutor da escola e esvaziam seu aspecto crítico e libertário criando, geração após geração, legiões de pessoas conformistas, cínicas e sem perspectiva de futuro, satisfeitas em se manter representando os papeis que lhes foram determinados pelas oligarquias que historicamente governam esse país.
As instituir cotas nas universidades públicas não é a solução para as graves distorções socioeconômicas e políticas e é claro que é preciso criar políticas sérias para a educação básica além de se realizar vultosos investimentos na construção de escolas e na formação e qualificação de professores porém as cotas são uma medida fundamental para garantir aos grupos excluídos de nossa sociedade acesso as condições que permitirão a sua ascensão social, ajudando a superar, dessa forma, séculos de exclusão e de subalternidade.

Fábio Campelo é historiador e 
professor de história.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Sobre Hobsbawm

Por: Fábio Campelo Teixeira.


 Com a morte de Eric Hobsbawm muitos começaram a criticar o pensamento do historiador inglês, principalmente em função da defesa apaixonada que este fazia do socialismo e por continuar a defendê-lo mesmo após a implosão do bloco comunista nos anos 90 do século XX. Uma das principais críticas (acusações) que lhe dirigem é o fato de que ele seria cego as atrocidades patrocinadas pelos regimes socialistas, exaltando apenas as qualidades da teoria. Muitos o chamam de cego, de fanático e, não poucos, de tolo.
Não vou entrar no mérito de que um senhor de 95 anos, seja quem for, merecia um tratamento mais respeitoso na ocasião de sua morte nem na questão que um pensador do peso e do renome de  Hobsbawm merecia uma crítica mais qualificada do seu trabalho. Vou me concentrar, apenas, na idiotice básica presente nas “críticas” dos pseudo-historiadores mais virulentos.
Antes de mais nada, qualquer crítica aos defensores do marxismo ou das teorias sociais cai por terra quando o crítico utiliza os regimes comunistas surgidos ao longo da guerra fria para afirmar que o regime é homicida e fracassado em sua origem. Ora, qualquer aluno secundarista sabe que o que houve na URSS, nos países do leste europeu e em muitas repúblicas da Ásia e da África foram ditaduras cruéis e sangrentas que se distanciaram muito dos ideais que, no começo, as motivavam. O Estado Soviético era um aparato burocrático titânico, dominado por uma estrutura partidária monopolista em nada se assemelhando a um Estado socialista tal como ele havia sido originalmente concebido por Marx, Engels, Lenin, Proudon, entre outros. Chamar a ditadura soviética de legítima representante do Socialismo é a mesma coisa que chamar um serial killer de legítimo representante do povo americano ou um jogador de futebol alcoólatra e farrista de legítimo representante do povo brasileiro.
Muito se falou, também, da “cegueira” de Hobsbawm que se recusava a enxergar as atrocidades provocadas pelo socialismo. A esses críticos eu pergunto: era uma cegueira semelhante a dos liberais que se recusam a aceitar as atrocidades patrocinadas pelo capitalismo e pela exacerbação dos interesses econômicos? Quantos milhões de pessoas morrem diariamente nos países onde prevalece a “livre iniciativa”? Quantos morrem nas nações que foram ocupadas em função dos interesses econômicos das nações capitalistas? Quantos, no capitalismo internacional, são excluídos e, por isso, não tem acesso as condições mais elementares de existência (comida, abrigo, assistência médica) simplesmente por não poderem pagar elas?
As ditaduras socialistas foram sanguinárias sim, sem dúvida, mas eu me pergunto se elas teriam sido mais sanguinárias do que a ditadura Pinochet no Chile, ou o governo de Stroessner no Paraguaí ou as ditaduras militares de Brasil e Argentina, todos governos que defendiam ferrenhamente o capitalismo liberal, todos com as bençãos dos EUA que “não viam” o que ocorria nos regimes que eles patrocinavam.
Hobsbawm via o mundo, um mundo injusto, cruel e desigual e defendia uma alternativa a essa existência, ao contrário de pensadores como Milton Friedman que, por pertencerem aos estratos sociais que se beneficiavam com essa desigualdade, se limitaram a descrever o que percebiam da realidade, defendendo essa visão como sendo a única possível. Com sua utopia, Hobsbawm se opunha a esse “realismo” hegemonista, não por que fosse um romântico tolo e senil, mas por que, acima de tudo, era um humanista, um pensador que se sensibilizava com os excluídos e que desejava a criação de sociedades menos cruéis, canalhas e hipócritas, nas quais o amor pelo dinheiro não fosse a única força motriz.

Vá em paz velho mestre.

Fábio  Campelo Teixeira é historiador.

domingo, 4 de novembro de 2012

O Mérito da Gestão

Por: Fabio Campelo Teixeira.

Nos últimos anos, a palavra gestão virou lugar comum em qualquer análise sobre a qualidade dos serviços públicos e governantes que realizaram os chamados “choques de gestão” ou instituíram “meritocracias” foram laureados pela grande mídia, saudados como salvadores de uma estrutura arcaica, atávica e burocrática.
A verdade, no entanto, muito mais sombria do que isso.
Gestão e metas de produtividade são conceitos oriundos do mundo empresarial que, a partir dos anos 90 do século XX, começaram a migrar para a esfera pública. Tal movimento ocorreu devido a crença neoliberal de que a administração privada deveria servir de modelo para a pública por ser mais eficiente e, portanto, obter mais resultados. Na verdade, a gestão por metas de produtividade não eleva, necessariamente, a qualidade dos serviços oferecidos mas sim gera distorções de dados e leva a ocultação de situações críticas, dificultando a resolução dos problemas concretos dos locais onde ela se aplica pois, para atender as metas, que em geral são irreais, começa a haver uma pressão sobre toda estrutura para que haja a melhoria dos índices a serem apresentados. Esse tipo de ambiente promove a adulteração de dados e ao esgotamento (físico, mental e psicológico) da força de trabalho, uma vez que a maior pressão por resultados invariavelmente é posta sobre os ombros daqueles que se encontram no patamar mais baixo da hierarquia administrativa provocando uma situação ímpar: melhoria dos índices apresentados e deterioração dos serviços prestados.
Historicamente a gestão por metas de produtividade tem se mostrado catastrófica onde foi aplicada. A falência da Eron em 2000, a bolha da internet em 2001 e a crise mundial iniciada em 2008 são exemplos incontestáveis que a pressão por resultados tende a ser catastrófica mesmo no âmbito empresarial onde ela foi gestada. Quando aplicada ao serviço público, a gestão por metas apenas servem para escamotear problemas estruturais críticos e que demandam de políticas sérias e investimento pesado para serem satisfatoriamente resolvidos pois, a pressão por resultados leva a manipulação de dados. Por mais que as diferentes instancias governamentais se afinem no discurso de que, por exemplo, a qualidade da educação pública oferecida no país tem aumentado ano após ano, apresentando níveis de excelência próximo a dos países desenvolvidos, a verdade que podemos perceber em qualquer escola pública é que legiões de analfabetos funcionais são formados ano após ano em instalações cada vez mais sucateadas e precarizadas. Há uma pressão cada vez maior para que os professores deixem de dar aula e passem, simplesmente, a preparar seus alunos para que estes tornem-se aptos a realizar com sucesso as várias avaliações institucionais que surgiram na última década (SAERJ, Prova Brasil, ENAD, etc.).
Além disso, a migração de conceitos do mundo empresarial para a esfera pública provocam outras e mais graves distorções. Em recente palestra no Brasil, Bárbara Bruns, economista-chefe do Banco mundial para a educação no Caribe e na América do Sul afirmou que "A indústria da educação é a única em que os “operários” (professores) não tem sua performance avaliada de forma direta e objetiva em busca de uma otimização do tempo”. Não vale a pena, nesse momento, discutir o obvio, ou seja, que o mundo empresarial e o ambiente escolar são espaços diferentes, formulados com propostas e objetivos totalmente diferentes, vou me ater ao ponto básico que, ao reduzir o processo educacional ao escopo da eficiência mecânica e econômica, passa-se a não se admitir desvios no modelo que se determina como sendo o ideal, uma vez que isso provoca uma perda de produtividade inaceitável.
A cerca de 40 anos, a pedagogia vem provando sistematicamente que o processo de ensino-aprendizagem é mais pessoal e subjetivo do que se desconfiava. Nesse sentido, como podemos esperar que “avaliações objetivas” consigam dar conta de cobrir toda a multiplicidade de formas que o processo educacional pode assumir? Eu, por exemplo, já dei aula para alunos que, oralmente, eram capazes de desenvolver raciocínios altamente sofisticados e complexos. Como o SAERJ ou o ENEM podem avaliar esse aluno? Ele é incompetente simplesmente por não dominar um tipo de linguagem formal que, arbitrariamente, se definiu como sendo a mais importante? Visando a melhoria dos índices, a lógica meritocrática arremessa esses alunos em “programas de aceleração”, em sua maioria geridos por instituições privadas, nos quais serão positivamente avaliados e jogados para fora do sistema educacional. Os índices permanecem altos mas gerações inteiras de jovens e adolescentes tem seu direito constitucional a educação negado.
È óbvio que todo aquele que presta serviço a população, seja ele um ente público ou privado, deve ter a qualidade do serviço que presta avaliado, o que está em questão aqui é que tipo de avaliação será essa pois, enquanto os interesses políticos/econômicos de uma minoria continuarem a determinar o que é melhor para o coletivo, continuaremos a ter sociedades corruptas, violentas, excludentes e elitistas.

Fábio Campelo Teixeira é historiador e
professor de história da Rede Estadual de Ensino do Rio de Janeiro.

sábado, 3 de novembro de 2012

"Bandeiras"

Por: Ricardo C. Teixeira.

Pensemos:

Energia elétrica gerada por hidrelétricas é basicamente a conversão de energia potencial, materializada por acúmulo de água, em energia elétrica propriamente dita.
Acúmulo de água se dá pela construção de barragens para a criação de reservatórios, são estes reservatórios que irão garantir fluxo constante de água pelas turbinas, garantindo assim, geração contínua e constante de energia e
létrica mesmo com as intempéries geradas pelos ciclos sazonais.
Criação de reservatórios significa o alagamento de porções generosas de terra que abrigam em si, fauna e flora nativa.
Muito se contesta em relação a esta prática, e eu, de antemão, faço questão de deixar claro que acho justa e razoável esta atitude, por parte de quem a adote.

Bem, vamos lá...

Desconsiderando a energia gerada por hidrelétricas, os modais a serem utilizados para compensar os "picos" em nossa oferta, de acordo com nossa matriz de energia, são os que remetem a queima de combustível fóssil. Seja através de gás, diesel ou carvão. Pequena parte, infelizmente, é compensada por modais "sustentáveis" como, por exemplo, biomassa, solar ou eólica.

Toda defesa de ponto de vista é válida, a busca por diferentes ângulos sempre vai permitir uma melhor visualização do cenário, do todo. Apenas acredito que nem tudo que é exposto em grande escala, é tão simples e cartesiano como nos fazem crer.

Fica aqui minha provocação, será que vale a pena evitar o desmatamento de uma área, pensando no aspecto ecológico, para mais adiante compensar o aspecto econômico lançando algumas milhares de toneladas de CO2 na atmosfera?

Talvez sim, talvez não...

A única certeza, é que este tipo de decisão em um País sério, não pode ser decidida sob viés político ou contaminada por "bandeiras"...




Ricardo Campelo Teixeira é engenheiro.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

O Nó do Sistema


Por: Fábio Campelo Teixeira.

1988. Contando com o apoio de governadores e deputados conservadores, muitos com ligações viscerais com a ditadura, José Sarney consegue impor sua vontade, barra a proposta de eleições diretas para presidente em 1988 e faz estender seu mandato para 5 anos, ao invés dos 4 originalmente previstos. Para garantir isso, Sarney teve o amplo apoio de uma frente parlamentar conservadora que ganhou, na época, a alcunha de “centrão”.
1997. Articulando uma frente parlamentar multipartidária, Fernando Henrique Cardoso, um dos que romperam com o PMDB em 1987/88 para formar o PSDB, consegue aprovar a emenda constitucional nº 16, instituindo a reeleição para os cargos do executivo e permitiu que a mudança nas regras eleitorais beneficiassem aqueles cujos mandatos ainda estavam em curso permitindo, dessa forma, que o tucano se beneficiasse do sucesso político/econômico do plano real, garantindo-lhe a láurea de se tornar o primeiro presidente reeleito da história da república.
2005. Precisando aprovar no congresso medidas importantes para o governo e sem contar com a maioria, membros do governo Lula articulam um esquema de desvio de verbas para pagar a deputados do PTB, PMDB, PFL (DEM) e PL para que estes votassem a favor do governo em votações de pautas críticas para o executivo. Denunciado por um dos beneficiados pelo esquema (quando este foi excluído do mesmo), o deputado federal Roberto Jefferson (principal apoiador de Fernando Collor durante o processo de impeachment do mesmo). O esquema foi batizado pelo próprio Jefferson de “Mensalão” e se tornou um dos maiores esquemas de corrupção conhecidos da era republicana.
O que esses três fatos tem em comum? Duas coisas: o pagamento de parlamentares com verbas públicas para a aprovação de pautas do interesse do governo e um sistema eleitoral que facilita e estimula a existência de tal prática.
Desde a redemocratização nos anos oitenta, virtualmente todos os governos da nova república tiveram seus escândalos envolvendo grandes esquemas de compra de votos parlamentares lu, usando nomenclatura em voga atualmente, seus próprios mensalões. Ao invés de simplesmente atribuirmos isso a falta de caráter da classe política brasileira, devemos nos perguntar por que tais esquemas são tão comuns e abrangentes no Brasil? Uma rápida análise nos mostra que o sistema eleitoral brasileiro une duas características especialmente nocivas e que permitem a proliferação pródiga de tais práticas:
Em primeiro lugar, a legislação eleitoral faz poucas exigências para a criação e a atividade política dos partidos. Em artigo publicado em 02/11/2012 no jornal “O Globo”, o historiador Nireu Cavalcanti afirma que o número excessivo de legendas apenas contribuem para encarecer o processo eleitoral, além de dificultar o acompanhamento de sua atividade política por parte da população, propondo que os partidos percorram todos os meandros da política local e comprovem ter representatividade, antes de se habilitarem a concorrer nas eleições nacionais. Atualmente, o pluripartidarismo nacional conta com cerca de 30 partidos, atuantes em todos os níveis da vida política brasileira, um número absurdo composto, em sua maioria, por agremiações sem identidade ideológica clara, objetivos políticos definidos ou representatividade social relevante proliferando as chamadas “legendas de aluguel”, partidos forjados, em sua maioria, pelos interesses das oligarquias ou chefes políticos locais e que agem como “exércitos mercenários” eleitorais voltados, exclusivamente, ao atendimento dos interesses pessoais de seus fundadores.
Em segundo lugar, o coeficiente eleitoral (medida que define quantos candidatos cada partido consegue eleger nas eleições parlamentares, obtido através da divisão do número de votos válidos totais da eleição pelo número de vagas em disputa) torna virtualmente impossível que o partido que ocupa o executivo consiga a maioria no legislativo, obrigando-o a negociar a cada votação com as demais forças políticas presentes no parlamento. Esse mecanismo que, originalmente, foi pensado para se evitar a excessiva concentração de poder nas mãos de um único grupo político, na prática, transforma o congresso em um balcão de negócios, onde os donos das legendas de aluguel oferecem o apoio de suas bancadas a qualquer um que se disponha a pagar o preço exigido.
Sociedades democráticas tem como valores principais o diálogo e o entendimento entre os diferentes grupos políticos que estão representadas nelas, isso é óbvio, mas enquanto não forem promovidas profundas mudanças políticas que coíbam a existência de legendas de aluguel e se punam exemplarmente tanto os compradores quanto os vendedores de votos, continuaremos a conviver com os centrões e mensalões que, desde 1985, parecem ser a regra e não a exceção em nosso processo político.

Fábio Campelo Teixeira é historiador.

O Homem que queria ser Rei

Por: Fábio Campelo Teixeira.

28 de Outubro de 2012, são 21:30 hrs. Quando escrevo essas linhas e o resultado da votação do segundo turno das eleições municipais já é conhecido; em São Paulo, nova vitória de Lula que, novamente, conseguiu alçar um de seus ex ministros a posição de chefe do executivo. Hoje, contudo, pretendo falar não sobre o vitorioso mas sim sobre o derrotado.
A contragosto, José Serra apostou seu futuro político em uma eleição da qual não queria participar exatamente por acreditar ser uma vitória fácil para ocupar um cargo aquém de suas reais ambições políticas. Forçado a esse caminho pela derrota iminente de seu grupo político na guerra civil travada entre mineiros e paulistas dentro do PSDB, Serra acreditava que sua recondução ao Edifício Matarazzo o colocaria de volta no tabuleiro político do próprio partido e o habilitaria a disputar, pela terceira vez, a indicação tucana para a disputa presidencial. Votação encerrada, Serra viu desmoronar por completo o projeto político que acalentava desde sua gestão no ministério da Saúde, ainda no governo FHC.
Mas, como tudo deu tão errado?
A Resposta é simples: Miopia política.
Serra sempre foi motivado por uma certeza inabalável de que ele era o único a compreender plenamente quais são os problemas do país e, mais do que isso, conduziu sua trajetória política apegando-se obstinadamente a ideia que era o único competente o suficiente para realizar as reformas necessárias para assegurar o bom andamento das políticas governamentais. Movido por tais certezas, afastou-se perigosamente dos anseios e desejos das pessoas a quem desejava governar, criando para si uma imagem tecnicista e elitista que o distanciou, até mesmo, de camadas da população que historicamente o apoiavam. Em outras palavras, faltou-lhe sensibilidade para perceber que o país e aqueles que o habitam mudaram muito nos últimos 12 anos.
Tal postura individualista também, não raramente, o isolou politicamente. Durante os anos FHC, travou um luta fratricida contra o ministro Malam pelo destino que seria dado ao dinheiro levantado pela dilapidação do espólio público. Derrotado, apenas pode assistir enquanto o dinheiro das privatizações era escoado para a construção de superávit primário e acabou ganhando, como prêmio de consolação, sua primeira indicação para concorrer a presidência da república. Em disputa dentro do partido, primeiro para se firmar como principal força no estado de São Paulo e, depois, pela liderança nacional, viu-se cada vez mais isolado enquanto seu rival direto (Aécio Neves, estrela em ascensão da centro-direita) estendia seus tentáculos cada vez mais profundamente na estrutura partidária que, esperava, fosse a sustentação de sua candidatura ao planalto em 2014.
Justiça seja feita a José Serra, ele jamais fez jus a imagem de anticristo que, muitas vezes, se pintou dele. Em um governo de tecnocratas adeptos da ortodoxia econômica do FMI como foram os governos de FHC ele foi um dos poucos a sinalizar a necessidade de investimentos estruturais que permitissem a expansão econômica advinda com a estabilidade monetária (Se tivesse conseguido fazer valer sua posição, talvez o país não tivesse tido que amargar o racionamento de energia e os sucessivos apagões ocorridos desde então); na saúde, quebrou patentes e enfrentou a, até então, inatacável industria farmacêutica. Apesar de seu progressismo destro (ou, por causa dele), sua inabalável confiança em suas próprias convicções tolas não permitiu que enxergasse o óbvio: que a ortodoxia econômica havia mudado o país.
A estabilidade econômica e os programas sociais implementados ao longo dos dois governos Lula haviam elevado à classe média uma parcela considerável da população oriunda das classes populares, historicamente excluídas dos projetos políticos de direita e centro-direita. Serra simplesmente não foi capaz de compreender isso, não teve competência política para se reinventar como candidato dessa nova classe média e, principalmente, não teve carisma para atrair para si o eleitor de centro-esquerda, desiludido com o PT e que tem medo das alternativas mais extremadas, como o PSOL, por exemplo. Ele, então, se tornou o candidato ideal de uma classe social em extinção (a antiga classe média); odiado pelos adversários e antipático aos aliados e, o resultado final dessa equação não poderia ser outro além da implosão de seu projeto político, dinamitado por aquele que, em todos os aspectos, foi a sua antítese: Lula.
O que resta a Serra, encerrada a apuração em São Paulo? Nada além da amarga contemplação do reino que não teve competência para conquistar.

Fábio Campelo Teixeira é historiador.