domingo, 23 de junho de 2013

PARTIDARISMO, APARTIDARISMO E AUTORITARISMO

Por: Fábio Campelo Teixeira.

Em 19/06, postei um pequeno comentário a respeito do repúdio das manifestações atuais aos partidos políticos. Reproduzo esse comentário para melhor desenvolver minha argumentação:

"Por que as manifestações atuais tem um caráter tão intransigentemente apartidário? Porque a muitos anos os partidos de esquerda não representam mais os ideais e a vontade popular que tão ruidosamente dizem defender.
PSTU, PCO, PCdoB a anos deixaram as causas e agendas sociais de lado e se concentram em uma espécie de jogo de poder pessoal no qual disputam com unhas e dentes o controle sobre sindicatos e dce's universitários os quais aparelham e utilizam como base de apoio de seus projetos pessoais de poder. Assim como as legendas de direita que dizem combater, esses partidos colocam em primeiro lugar suas próprias agendas e desconsideram por completo os interesses daqueles excluídos que dizem defender.
Repetir os mesmos e manjados refrões de 50 anos atrás não vai garantir a esses oportunistas a liderança dos presentes movimentos alias, nem mesmo um lugar neles" - Rio de Janeiro, 19/06/2013.

Continuo acreditando que a culpa do atual sentimento antipartidário recai sobre os próprios partidos porém, assim como a muitos, me causa uma certa preocupação os ataques violentos que os militantes desses partidos tem sido vítimas ao tentarem participar das manifestações que proliferam pelo país.
A ausência de partidos políticos e representações de classe abrem caminho para o surgimento de regimes autocráticos e ditaduras que, via de regra, podem até atender aos anseios de alguns segmentos da população mas o fazem reprimindo violentamente todos os demais segmentos ou grupos que, porventura, venham a manifestar visões de mundo diferentes. Os partidos impedem a excessiva concentração de poderes nas mãos de um só grupo, permitindo a existência de uma pluralidade de discursos conflitantes que, de outra forma, é impossível.
Nesse sentido, acredito que impingir aos movimentos atuais esse caráter violentamente apartidário é um grave erro do qual podemos nos arrepender amargamente nos anos que virão. O grito não deve, não pode, ser contra a existência de partidos e organizações de classe mas sim pela REFUNDAÇÃO desses instrumentos democráticos (oportunidade essa que o próprio PT perdeu ao defender os réus condenados pelo mensalão), devemos nos manifestar pelo fim dos antigos e obtusos coronéis que ainda imperam de forma absoluta em legendas que variam do fisiocratismo ao personalismo, voltadas apenas para os próprios interesses mesquinhos, devemos nos manifestar contra o "sou contra por ser contra", contra o aparelhamento de associações de base por partidos que, de outra forma, não conseguem representatividade alguma.
Vejo também um certo exagero nos discursos que vicejam nas redes nos últimos dias que denunciam a existência de algum tipo de conspiração nazi-direitista no sentido de destruir os partidos de esquerda. Ora, são exatamente os políticos de direita os principias alvos de muitas manifestações! Há por trás desse tipo de teoria da conspiração um certo pânico das lideranças de esquerda pelo fato de, pela primeira vez na história recente, haver uma manifestação em massa da população sem que eles estejam a frente. Nesse sentido concordo com meu amigo Thiago Monteiro Bernardo quando este diz que não há motivo para o medo e que, ao invés de hostilizar o movimento, é o momento de ser humilde e ouvi o recado que vem das ruas, aprender com ele e mostrar para os revoltados a importância da existência de  partidos para a democracia.
Vamos as ruas, TODOS NÓS, sem sectarismos nem radicalismos idiotas que apenas atendem aos interesses daqueles contra quem o povo finalmente se insurgiu.

Fábio Campelo é historiador.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Reflexões sobre fazer política em meio a crise

Por: Thiago Monteiro Bernardo.


Não preciso afirmar que o momento é histórico. Ontem, dia 20 de junho de 2013, assistimos as maiores manifestações populares desde a redemocratização do Brasil há 25 anos. O que querem estes manifestantes? Muitos já tentaram responder. Ontem na marcha tive a clareza que a pauta era apenas uma: a indignação. Eram diversos grupos indignados com as mais diferentes causas. Havia alas de movimentos que em sua maioria marchavam e desfilavam em harmonia, saindo da Igreja da Candelária em direção a prefeitura do Rio de Janeiro. Passei pelo movimento LGBT, pelos sem teto, por punks anarquistas, por sindicatos, por partidos de esquerda. No trajeto soube que figuras de extrema direita, ainda que em minoria absoluta, também estavam presentes, mas não os vi. Eles não davam a cara do movimento que era composto em sua maioria por jovens (e não jovens adultos como eu) que nunca bradaram contra governos, nunca enfrentaram a polícia e que viviam o encantamento e o assombro de estar tomando de algum modo o controle de suas vidas políticas naquele ato. O fluxo deste enorme rio não era do golpe. Era o de buscar algum tipo novo de cidadania, uma nova política com mais transparência e maior canal de participação popular.
Traçado este perfil, chego ao meu ponto principal: espalhasse na rede principalmente entre os militantes de esquerda o terror que este movimento descambe para um golpismo. Vejo colegas militantes (a maioria deles como eu na casa dos 30 anos e com uma trajetória intelectual e de lutas razoavelmente longa) temendo que a marcha se torne uma nova TFP. Pessoas horrorizadas com o mote nacionalista dos manifestantes que gritavam “sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor”. Para eles eu digo: não temam! Vamos a luta!
Os gritos nacionalistas foi a forma como essa geração aprendeu o que era cidadania. Fiz uma reflexão sobre isso junto com alguns amigos e constatei inclusive que o hino nacional se tornou a única música que fornece algum tipo de coesão coletiva aprendida por que essa juventude, seja nas escolas, seja nos eventos esportivos. O vazio é tão grande que as canções de protesto evocadas eram as de outra juventude. Chico Buarque e Geraldo Vandre ainda são os hinos de resistência. Sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor é a chave semântica que se canta nos estádios para clamar pela superação quando algum time nacional está em dificuldades. Se isto for apropriado pela extrema direita militarista ou pelos fascistas será por que n´s deixamos ser. 
Sem dúvida as manifestações evidenciam uma crise política. Os governos (mesmo os de esquerda) e os políticos não sabem como se posicionar. Era evidente a ausência deles desde o início do movimento. Os gritos sem bandeira e sem partido, que muitos viram como fascista eram na verdade de uma multidão que se cansou. Cansou de acreditar na velha política que os partidos representam e querem de algum modo algo novo, ainda que não tenham clareza de qual projeto político representaria essa novidade. Esta crise abriu um vazio político. Um vácuo ideológico. Um vazio que será preenchido no curso destas manifestações.
O PSTU, o PSOL, o PCO e demais partidos não devem atacar os manifestantes que exigem que suas bandeiras sejam abaixadas. A ação tem que ser pedagógica. Não estaria ali a chance de apresentar o que é UM partido? O que é O partido? Quais são as propostas DESTES partidos para resolver a atual crise? Como eles pretendem incorporar ou dialogar com a agenda de indignações do movimento atual? Não fazer isto é dar munição para os que gritam sem partido. Ou ainda pior, dar munições para os que gritam sem partido de modo ideológico, conclamando para uma ditadura militar.
A rua é agora o espaço de disputa política e a disputa é pedagógica. Será dali que sairão os grandes vencedores e derrotados deste momento. A multidão é disforme e poderosa mas não devem ser temida por qualquer um que tenha um projeto de sociedade ou de política, como são os partidos. Espero ver todos os colegas partidários e intelectuais juntos, construindo propostas na próxima manifestação. Temer o povo ou mesmo suas posturas mais reacionárias é a derrota para qualquer movimento que pretenda transformar esta sociedade. Façamos novas canções, que possam ser cantadas em conjunto com as mais antigas. Lancemos novas ideias pois a paciência de esperar por mais 4 anos e ver mudanças apenas superficiais já se esgotou.

Thiago Monteiro Bernardo é Historiador e ex-professor da UFRJ.

Sobre Protestos, Surdez seletiva e Violência

Por Fábio Campelo Teixeira.

Com o presente texto, não pretendo fazer nenhum tipo de pregação nem contra nem a favor dos atos de violência que tem crescido de forma exponencial nas manifestações populares que se espalham pelo Brasil, minha proposta é pura e simplesmente fazer uma reflexão a respeito das origens dessa violência, para compreendermos por que ela ocorre.
Um primeiro aspecto que me chamou atenção foi exatamente os locais onde os atos de violência tem sido mais comuns e virulentos, ou seja, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Me parece claro que a violência das manifestações nessas duas cidades está diretamente relacionada com a forma brutal com que as elites dessas cidades (e estados) tem, historicamente, lidado com a população.
O governador do Rio de Janeiro e seu prefeito-fantoche da capital tem pautado suas administrações pelo trinômio leniência (para com os poderosos), violência (no trato com a população carente) e intransigência (ante os apelos da sociedade civil organizada). Para comprovar isso cito dois casos exemplares: a remoção de comunidades pobres e grupos excluídos para a realização das obras para a Copa do Mundo e as Olimpíadas são de uma brutalidade animalesca que poucas vezes eu vi na história recente da humanidade (é, por isso mesmo, ocultadas do grande público com o apoio da grande mídia subserviente) e a reação do governo do estado do Rio de Janeiro as legítimas mobilizações populares que vem acontecendo ao longo dos últimos 3 anos (Cabral prendeu os bombeiros grevistas, ameaçou com exonerações em massa a PM quando esta ameaçou entrar em greve e vem humilhando e assediando os professores do estado desde a última greve que durou 3 meses). Ambos demonstram claramente o viés antidemocrático, impiedoso e violento do exercício do poder no estado do Rio de Janeiro e, diante de tal situação, me parece natural que a revolta popular exploda durante as manifestações pois criou-se um sentimento que os violentos apenas ouvirão a voz da violência. Boa parte do que eu falei sobre o Rio de Janeiro é perfeitamente aplicável ao estado de São Paulo no qual, em pouco mais de 16 anos non poder, o PSDB implementou um Estado policial como poucas vezes se viu na história mundial.
Segundo. Dependendo da fonte que se consulte as versões sobre o início da violência vão variar de "os baderneiros provocaram a polícia" a "a polícia saiu atirando sem provocação". Sem entrar nos méritos sobre qual versão é mais ou menos plausível acredito que a grande questão aqui é a mesma: independente de quem começou a arruaça, a atuação da Polícia Militar do estado do Rio de Janeiro foi altamente reprovável.
Em entrevista ontem a noite, o professor da UFRJ Francisco Carlos fez uma análise impecável sobre o que ocorreu no centro do Rio de Janeiro na noite ontem ao afirmar que "o vândalo não tem preparo nenhum, ele quer simplesmente incitar a violência, mas o policial (em tese) recebe treinamento e preparo para lidar com esse tipo de situação". Permitam-me recorrer a um exemplo para deixar esse raciocínio mais claro: A polícia reagir com violência a provocação dos Vândalos é uma situação análoga a um professor que, ao ser ofendido por um aluno em sala de aula, pegar um pedaço de pau e espancá-lo até que o aluno desmaie.
Em um estado democrático de direito, SOB HIPÓTESE ALGUMA é admissível que uma força policial treinada e fortemente armada abra fogo (e, diga-se de passagem, com munição letal e não apenas balas de borracha) contra uma população civil desarmada e mobilizada e, quando essa mesma polícia começa a atirar bombas de gás contra um hospital, temos formado um quadro de terrorismo estatal digno dos pesadelos totalitários descritos por autores como George Orwell e Aldous Huxley.
Meu amigo  Thiago Monteiro Bernardo, com invejável lucidez ante os horrores ocorridos no centro do Rio ontem a noite, disse algo que define muito bem o absurdo da atuação policial ontem: "A tropa de choque deve dispersar a multidão e proteger o patrimônio público, não perseguir manifestantes como animais". Perseguir manifestantes, sitiar campus de universidades federais (o IFCS foi citiado SIM, a Escola Nacional de Direito foi bombardeada com bombas de gás SIM) são atos dignos dos momentos mais obscuros da ditadura militar e apoiar tais atos transformam nossos governantes em legítimos herdeiros do legado sangrento e antidemocrático dos regimes de Castello Branco, Costa e Silva, Garrastazu e Giesel.
Enquanto as elites continuarem insistindo em ignorar as demandas populares, enquanto os políticos insistirem e fingir que toda essa revolta não é direcionada contra eles, enquanto as respostas as manifestações continuarem sendo tímidas e hipócritas (como a suspensão do aumento mas com subsídio aos empresários), as manifestações vão continuar e, lamento informar, se tornaram progressivamente mais violentas.

Fábio Campelo é historiador.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Tempo Ocioso

Por Fábio Campelo 

 No jornal de hoje, li uma notícia a respeito do veto do governador Sérgio Cabral Filho ao projeto aprovado em votação na ALERJ de acordo com o qual o governo do estado seria obrigado a lotar seus professores em uma única escola, impedindo assim o desgaste provocado pelo deslocamento dos docentes entre várias U.E. Diferentes, ao longo de sua carga horária diária. No veto, o fuherr das Laranjeiras afirma que tal medida faria com que muitos professores ficassem com “carga horária ociosa” e que isso obrigaria a contratação de 11 mil professores, onerando o estado em 280 milhões de reais. Tanto o veto quanto sua justificativa nos mostram revelam alguns dados importantes sobre a visão do governo do estado a respeito da educação e seus profissionais.
Primeiro: Ao classificar o tempo que o professor passa na escola sem ser em regência de turma como “tempo ocioso”, o governador (e a equipe que o assessora) demonstram ao mesmo tempo uma profunda ignorância a respeito do cotidiano escolar (e dos estudo pedagógicos realizados nas últimas 3 décadas) e uma filiação as doutrinas neoliberais de mercantilização do conhecimento as quais defendem que as escolas deveriam ser meros centros de formação de trabalhadores com baixa qualificação. Uma infinidade de estudos comprovam que os projetos extraclasse e a efetiva participação do professor na elaboração das políticas pedagógicas das escolas (ambas atividades realizadas nos momentos em que o professor está na escola mas fora da regência de turma) são fundamentais para a efetivação tanto de uma educação de alto nível quanto para a implementação de aulas de turno integral, proposta inclusa nos projetos educacionais de virtualmente todas as redes de ensino atualmente.
Esses argumentos não são teóricos, são práticos. Colégios reconhecidos como centros de excelência de ensino tais como o Colégio Naval, o CEFET, o Colégio Militar, Colégio São Bento, etc. Adotam essa filosofia, pagando pela dedicação exclusiva de seus docentes mas ocupando apenas uma pequena parcela de sua carga horária com regência de turma. Os resultados práticos disso são profissionais motivados e comprometidos com a práxis escolar de seus locais de trabalho, ao invés de formar um grupo de professores adoentados, estressados e sobrecarregados pelas condições de trabalho desumanas.
Segundo: A argumentação que a contratação de 11 mil professores geraram um impacto em folha inaceitável para as finanças estaduais demonstram as prioridades que norteiam esse governo. Como, pergunto eu, um investimento de 280 milhões de reais para a contratação de professores pode ser considerado um impacto tão devastador aos cofres públicos enquanto gastos de 1,2 bilhões de reais para a reforma de um estádio (que foi entregue a iniciativa privada por 560 milhões a serem pagos em 30 anos) não são?
Ao longo de seus dois mandatos Il Duce fluminense fechou 98 escolas e investiu menos de 5% do orçamento estadual para a educação enquanto os gastos com viagens do alto escalão do governo triplicaram no mesmo período. Infelizmente, nada posso falar com relação aos gastos do governo estadual com os megaeventos pois, desde o início do ano, o governador proibiu a divulgação desses valores para o público. Outra indicação das prioridades do atual governo é o fato de que, nos últimos 7 anos, os gastos com segurança pública e publicidade praticamente dobraram enquanto os investimentos em educação permaneceram os mesmos ou, em algumas áreas, reduziram.
O fato é que o estado do Rio de Janeiro, segundo estado mais rico da federação e um dos cem maiores produtores de petróleo do mundo, tem dinheiro de sobra para contratar 11, 22 ou 33 mil professores porém a educação nunca foi, não é e jamais será prioridade da corja que administra nossa unidade federativa pois, pela lógica oligárquica, atávica e canalha dessa gente, melhor que investir em ensino e preparo para a população mais carente é gastar com megaobras e alugueis de equipamentos (que oneram o erário sem acrescentar nada ao patrimônio) e com a polícia para reprimir aqueles que porventura se manifestem contra esse estado de desgoverno e absurdo.
Terceiro: Ao achar justo e correto que um professor tenha que se desdobrar entre cinco ou seis escolas diferentes (muitas vezes espalhadas por cidades diferentes), o ogro da zona sul mostra um completo descaso e desrespeito não apenas pelos profissionais mas pelos seres humanos que dedicam suas vidas a ingrata tarefa de construir o futuro na vã esperança de um mundo melhor para as próximas gerações .

Mais uma vez, o governo do estado mostra quais são seus verdeiros interesses e para quem verdadeiramente esse estado é governado e, mais uma vez, quem pagará a alta fatura que tais decisões irão cobrar nos anos vindouros será a população mais carente que, certamente, não poderá colocar os filhos para estudar nas caras escolas que os filhos do governador estudaram, da mesma forma que não pode contar com o atendimento médico privado de nível internacional que Cabral e sua família desfrutam ou assistir aos caríssimos jogos da copa das confederações, disputados nos faraônicos estádios, construídos com o dinheiro de seus impostos.

Fábio Campelo é historiador e professor de história da rede estadual do Rio de Janeiro.