terça-feira, 5 de março de 2013

O CONTRASSENSO DE WASHINGTON


Por: Fábio Campelo Teixeira.

O maior truque que o diabo fez foi convencer o mundo de que ele não existia, e a maior artimanha do capitalismo foi convencer a humanidade que não existe outra forma de viver possível fora da sociedade do consumo desenfreado e da desigualdade social.
O chamado “Consenso de Washington” foi uma reunião realizada no início dos anos 90 na capital dos EUA, da qual participaram as lideranças dos principais órgãos monetários internacionais, ou seja, o FMI, o Banco Mundial e o Federal Reserve (o “Banco Central” dos EUA). Dessa reunião saiu o “receituário”, ou seja, o conjunto de normas e ajustes que esses órgãos exigiriam que os países em desenvolvimento seguissem na década seguinte para poder continuar contando com crédito no mercado internacional. Qualquer um que tenha vivido na América Latina dos anos 90 sabe de cor as medidas que constavam nesse receituário (corte de gastos públicos, afrouxamento de leis trabalhistas, desregulamentação econômica, redução dos programas de amparo social, etc.) bem como as consequências advindas dele (recessão, desemprego, estagnação econômica, etc.).
Em pleno caos em decorrência da implosão do bloco socialista, os papas neoliberais acenavam para o novo mercado em potencial, surgido com o fim do muro de Berlim, miragens repletas de visões de riqueza, carros de luxo e fast food, ao mesmo tempo que sinalizavam para os países subdesenvolvidos a futilidade de se insistir em um sistema que estava em ruínas pelo mundo afora. Nos dois casos, o discurso preponderante era o mesmo: não há vida fora do capitalismo liberal.
Pelos dez anos seguintes, o mundo viveu em transe, acreditando nas promessas liberais de que, caso se submetessem agora e adotassem o receituário, embora o presente fosse de crise e privações, o futuro seria brilhante e promissor para todos. A medida que os anos 90 avançavam, a verdade começou a se tornar cada vez mais óbvia para quem quisesse enxergá-la: o receituário somente funcionava para os países desenvolvidos pois, através dele, eles obtinham duas coisas indispensáveis para sua continua expansão econômica:
1)a estagnação das economias em desenvolvimentos, evitando assim a entrada de novos jogadores no concorrido mercado internacional,
2)a abertura total e irrestrita dos mercados emergentes para as suas empresas, sustentando assim o ritmo acelerado de crescimento de suas economias.
No início dos anos 2000, as populações dos países onde o receituário do FMI foi adotado começaram a se revoltar com o contínuo estado de recessão em que viviam e, sentindo-se traídos pelas promessas neoliberais, começaram uma guinada a esquerda, rejeitando o receituário e favorecendo o surgimento de movimentos e governos contrassistêmicos e antiliberais. Acuada, a direita liberal reagiu com fanatismo e violência, agredindo essa movimentação das populações latino-americanas, furiosamente acusando governos legitimamente eleitos de ditaduras (em um arroubo de insânia destra a Veja chegou a comparar o governo de Hugo Chaves a ditadura nazista de Adolf Hitller) e vociferando a plenos pulmões que essa aventura rebelde antiliberal iria terminar em caos e tragédia. Novamente citaram a pujança econômica dos países desenvolvidos como exemplo de sucesso e venderam com mais veemência a ideia de que o receituário era a única forma possível de se atingir tal prosperidade e, novamente, houve quem lhes desse ouvidos e adotassem suas preleções com fanatismo quase religioso.
Então, chegamos ao ano de 2008.
O discurso messiânico do Fundo Monetário Internacional (“O receituário é o caminho, a verdade e a luz”) já havia começado a ruir; adotando medidas econômicas diametralmente opostas ao que preconizava o receituário de Washington, a Malásia começou a apresentar índices invejáveis de crescimento, o Brasil começou a se mostrar mais robusto e menos frágil aos humores do mercado financeiro internacional exatamente quando começou a abandonar a ortodoxia econômica liberal e, finalmente, nem a Venezuela e nem a Bolívia afundaram na latrina de caos econômico que os profetas liberais haviam previsto. O golpe de misericórdia, contudo, ocorreu bem no coração do sistema.
Como disse anteriormente, a primeira década dos anos 2000 foi um período extremamente próspero para os países liberais, com suas economias registrando robustas taxas de crescimento. O que os responsáveis por essas taxas não contavam ao mundo é que essa economia crescia a base de anabolizantes financeiros que patrocinavam um cassino econômico, sustentado fragilmente na concessão de crédito barato a população sem condições de quitar seus débitos. Assim sendo, surge uma economia baseada na especulação e na movimentação virtual de capitais ilusórios entre mercados falsamente estáveis. Não entendeu? Não se preocupe, nem mesmo os “gênios” do mercado financeiro que criaram essa roleta russa compreendem completamente o que aconteceu. O fato é que, como toda bolha capitalista essa também explodiu e arrastou todo o mundo desenvolvido junto com ela para o buraco. Quem escapou razoavelmente ileso? Aqueles que se recusaram a seguir o receituário milagroso do FMI.
Entramos na segunda década do século XXI e, novamente, os profetas do caos preconizam o caos para aqueles que tentam estilos de vida alternativos ao liberalismo e, desse vez, os ataques também vem dosados com ameaças veladas a liberdade de expressão e a privação das liberdades individuais do cidadão caso este ouse viver foram da “proteção” capitalista.
E ai? Vamos tentar algo diferente ou vamos mais uma vez ouvir as vozes que já arrastaram o mundo para a beira do caos em, pelo menos, três ocasiões diferentes (1929, 1974 e 2008)?

Fábio Campelo é historiador.

Cada um com seus problemas ...

Por: Fábio Campelo Teixeira.

Qual é o problema da educação hoje em dia?
Em primeiro lugar, eu diria que a educação não tem PROBLEMA ela tem PROBLEMAS, problemas que perpassam por todos os setores que transitam pelo espaço escolar. Os responsáveis pelos problemas da educação são os gestores que insistem em mercantilizar os sistemas educacionais transformando as escolas em indústrias padronizadas regidas por metas irreais; são os alunos para quem a escola possui cada vez menos significado para além de seu aspecto social básico; são os responsáveis que não exigem dos gestores uma educação de qualidade, se contentando em ter um local onde possam depositar seus filhos cinco horas por dia; são os professores que tem cada vez menos interesse e disposição para cumprir suas obrigações enquanto educadores.
Sob qualquer aspecto que se analise, o sistema educacional está absolutamente falido. Esses são os fatos mas a pergunta que se impõe a eles é como chegamos a isso?
Eu proponho três explicações:
1) As sociedades ocidentais tem se tornado cada vez mais narcisistas. Atualmente, as pessoas tornam-se cada vez mais incapazes de enxergar qualquer coisa que não seja um reflexo distorcido delas próprias, tornando-se desinteressadas de qualquer questão que transcenda o próprio ser. Para que discutir o crescente problema dos usuários de drogas (os cracudos) se eu não sou um deles? para que apreciar arte se ela não é uma fotografia minha? Que me interessa o que político A, B ou C faz? eu voto nulo! Ich, vor allem (eu, acima de todos) é lema das novas gerações e o I-Phone apontado contra o espelho o seu brasão e sendo a escola o local onde se vai para acessar o conhecimento acumulado e sistematizado da humanidade através dos anos, ela se torna cada vez menos atraente.
2) No ocidente contemporâneo vivemos sob a égide do liberalismo publicitário que prega, acima de qualquer outra coisa, dois dogmas fundamentais: "Tenha, não seja" e "A autogratificação tem que ser imediata". Cada vez mais a sociedade impõe as novas gerações que seu valor seja medido por suas posses transformando a compra do tablet ou do celular da moda em um dilema muito mais presente do que obter justiça social em ou, em outras palavras, os jovens vão progressivamente deixando de ser revolucionários em potencial para se transformarem em consumidores vorazes. A satisfação somente é obtida através do consumo e ela tem que ser efêmera pois é preciso consumir mais, seja lá o que for (serviços, mercadorias, pessoas). O trabalho duro e a satisfação que somente é obtida em decorrência desse tornam-se, cada vez mais, obsoletos e, uma vez que a escola se  baseia exatamente nesse princípio de esforço e gratificação posterior, ela se torna um estorvo massante para os jovens que se tornam francamente hostis a ela.
3) O elitismo proselitista de muitos educadores os levam a uma cegueira que os faz enxergar apenas e tão somente uma verdade, uma forma de ensinar, uma forma de agir. Quando constatam que seus métodos são ultrapassados e que sua visão é excludente, esses "educadores" passam a assumir discursos que variam do paternalismo mais asqueroso ("eu não posso ensinar minha matéria! eles não sabem nada!") a agressividade xenofóbica pura e simples ("[pobre/negro/nordestino/etc] é tudo burro! não tenho como ensinar!"). Para esses dificuldade se transforma em Empecilio e empecilio se transforma em impossibilidade e, assim, temos uma legião de educadores que seguem, ano após ano, sem cumprir com seus deveres, jogando a culpa de sua incompetência na má fé alheia.
4) A constante mercantilização dos sistemas educacionais, promovida por seus gestores. É comum atualmente a ideia que a educação deve ser gerida como um negócio porém os estudos na área já provaram por A + B  sendo: a)que  o aprendizado é um processo individual e subjetivo e b) que é preciso RECURSOS para se obter uma educação de qualidade. Essa duas propostas são diametralmente opostos as ideias "meritocráticas" que pretendem estabelecer metas de produtividade e redução de custos, transformando o processo todo em mera reprodução das condições postas socialmente.
5) Nunca antes, em toda a  história da humanidade se glorificou tanto a violência como nos dias atuais. A violência é o ar que respiramos nas sociedades contemporâneas, a única diferença foi que substituímos a violência física de outras eras por outras variedades de violência mais sutis como o desrespeito, o preconceito, o sexismo, o proselitismo religioso e a violência moral. Enquanto microcosmo social, a escola reproduz essas práticas de violência transformando-se em um ambiente hostil para todos que a frequentam, levando os alunos a abandoná-la e degradá-la enquanto instituição e os professores aos consultórios médicos.

Esse texto foi apenas uma reflexão/desabafo de alguém que vivencia a aproximadamente 15 anos o universo escolar como educador. Não pretendo ser o profeta do caos nem a salvação do mundo corrupto, quero apenas ser aquele que ajudou a iniciar um diálogo sério e imprescindível sobre a educação em nossa sociedade.

Fábio Campelo Teixeira é  professor e historiador.
por Ricardo C. Teixeira

Esqueça por um instante, taça Guanabara, caso Bruno e etc. Atenham-se aos próximos dois dias, mais precisamente, à reunião do COPOM. Há rumores de que, em médio prazo, haverá a necessidade de se aumentar a taxa básica de juros após longo período de quedas contínuas para segurar o avanço inflacionário. Isto é ruim para as perspectivas de investimento externo, mas, olhando bem detalhadamente, é bem pior do que parece...
Vamos lá...
Dos principais parâmetros para avaliar a saúde macroeconômica de uma nação, a Balança de Pagamentos divide-se em duas “contas” fundamentais, a balança comercial, que é representada pela aritmética resultante das importações e exportações e o saldo em conta corrente, que é a aritmética resultante do fluxo de divisas que entram e saem deste mesmo País.
Com os “poderosos” 0,9% de crescimento do PIB, nos é somente passada uma informação absoluta e vaga de desempenho, mas, na verdade, a análise é muito mais profunda.
O que nosso desempenho industrial, somado ao peso de nossa máquina estatal e ao terrível “custo Brasil” que está diretamente relacionado à nossa infraestrutura ainda precária normalmente nos levaria, é a um cenário pior, ou seja, de “decrescimento” econômico. Então a pergunta que não quer calar é a seguinte: Ricardo, por que então conseguimos, ainda que palidamente, registrar crescimento da economia no ano que passou? A resposta? Consumo meus caros...
O aumento da largura da “banda de classe média” nos permitiu mais renda e acesso fácil ao crédito e, consequentemente, o estouro da onda de consumo. Isto é ruim? Não! É ótimo termos o aumento da capacidade de compra da população. O problema meus caros, é que o aumento do consumo precisa se sustentar, ou seja, a oferta encontrar a demanda. Como isto poderá ocorrer em um País onde a atividade industrial naufraga?
É aí que retornamos ao primeiro parágrafo. Para conseguir aumentar a curva de oferta e absorver o consumo crescente, importamos mais meus caros...
Importando mais, nos aproximamos da condição de déficit da balança comercial...
Com déficit na balança comercial, influímos negativamente no saldo da Balança de Pagamentos...
Para compensar a BP, aumentamos nosso lastro em moeda estrangeira para valorizar o Real...
Valorizando o Real, dificultamos novos entrantes em nossa economia...
Com menos empresas entrando, nossa indústria não cresce...
Um doce para quem adivinhar o impacto no aumento da Selic para a mesma e velha combalida indústria Brasileira?


Ricardo Campelo Teixeira é engenheiro de produção.

sexta-feira, 1 de março de 2013

O Banheiro do Papa


A renúncia do Papa nos mostra que em termos de corrupção e falência da classe política, nós ainda temos muito o que aprender com nossos mestres italianos. Ao longo dos anos, alguns mitos foram criados e se somaram a aura de mistério que envolve o Vaticano em uma tentativa de lhe conferir credibilidade e isolá-lo do ambiente político italiano, historicamente marcado por vícios e defeitos que o tornam ineficiente e caricato. Uma dessas idéias é a da independência do Vaticano.
A Cidade do Vaticano é frequentemente referenciada como sendo o menor Estado do mundo, construindo a ideia que, embora seja pouco mais que um sub-bairro incrustado no meio da capital italiana, o Vaticano estaria isolado dos males da política nacional exatamente por ser outra nação. Na prática, todo o escândalo que orbita a renúncia de Bento XVI mostra que as mesmas forças que agem nas sombras do Paazzo Chigi também obscurecem a praça São Pedro.
A história nos mostra que lutas políticas, tráfico de influência e relações escusas com o crime organizado não são novidade no Vaticano. Rodrigo Bórgia (Papa Alexandre IV) gastou fortunas para comprar os votos do colégio de cardeais e garantir sua eleição, além de se utilizar de capangas e soldados mercenários para matar ou intimidar seus opositores; João XII dedicava mais tempo ao estupro de peregrinas do que a condução espiritual da santa sé. Lutero se horrorizou tanto com o que presenciou na corte de Leão X que preferiu romper com a igreja e formar sua própria religião e Pio XI ficou cego a brutalidade do Nazi Fascismo para conseguir a independência política de suas posses pessoais, criando o Estado do Vaticano. Embora esses sejam exemplos extremos, o fato é que o poder secular sempre seduziu e influenciou aqueles que, em tese, deveriam dedicar suas vidas a condução espiritual de uma parte significativa da população mundial, fazendo da cúpula da igreja um ambiente ideal para a proliferação de carreiristas ambiciosos que, não se enganem os fiéis, agiam com liberdade e o conhecimento tanto do próprio Bento XVI quanto de seu antecessor João Paulo II. A renuncia de Ratzinger não é um ato de contrição ou um grito desesperado pela decência e a moralização da instituição religiosa, é simplesmente a remoção de um elemento que não era mais útil as engrenagens obscuras do poder católico. Com sua renúncia, no entanto, Bento XVI nos mostra que é um profundo conhecedor e estudioso da história brasileira.
Em 1954, Getúlio Vargas, um dos mais populares presidentes brasileiros, não vivia seu melhor momento na política. Com denúncias de corrupção e favorecimento dentro de seu governo surgindo diariamente na grande mídia (liderada por Carlos Lacerda), Getúlio optou por "sair da vida para entrar para a história", dando um tiro a queima-roupa no peito. Com o suicídio, a população que saia as ruas para acusá-lo e pedir sua renúncia, agora lotava os funerais para homenageá-lo e honrá-lo, esquecendo todas as suas falhas políticas e pessoais.
Ao renunciar, Bento XVI conseguiu efeito político semelhante pois sua desastrosa condução da igreja nos últimos oito anos tem sido revista e revisada a luz do fato novo que ele criou com sua renúncia e, assim, o Papa antipático, conservador, elitista e com um passado relacionado ao nazismo se tornou em uma espécie de mártir, um herói que admite sua própria impotência para lidar com forças sombrias que não conhecia.
O papa emérito conduziu uma igreja que se isolou das demais religiões, sempre recusando o diálogo, defendeu posições reacionárias e elitistas e manteve-se omisso  diante da enxurrada de denúncias de abusos sexuais/econômicos/políticos praticados pelos agentes católicos mundo afora. A igreja católica encolheu na última década e se distanciou tanto de seu rebanho que perdeu quase toda a sua legitimidade para falar em nome dos quase 1,28 bilhões de católicos que existem no mundo atualmente e tudo isso foi feito, se não com o beneplácito dos últimos dois vigários de Roma, com seu conhecimento e leniência. Bento XVI não é mártir ou herói, ele apenas não é mais útil.